Há um lugar para brindar às derrotas.


Já estava escuro quando ele passou pela entrada. Sentou na mesa mais afastada e pediu um vinho. Eu sei por que vi quando a garçonete lhe serviu.

A gente nunca pensa que alguém está próximo o bastante de nós. Eu podia ouvir sua respiração e o som que saia de seus lábios, mas ainda assim, para mim, ele estava sentada na mesa mais afastada.
A máquina de café refletia de forma distorcida a minha imensa cara.
A gente nunca acha que é bom o bastante para que alguém vá reparar em nós. Mas agora, sentada aqui, acabei de me dar conta de que não sei ao certo mais quem sou.
Sei exatamente quem ele é, seu nome, aonde estuda, onde trabalha, o que tem costume de fazer, a que horas e porque vem aqui… Mas acho que não sei dizer bem quem sou, ou a quanto tempo deixei de ser, de usar aquelas roupas e ouvir aqueles velhos discos.
A muito tempo não reparo na maneira como me visto para vir até aqui. Saio sempre com o ar besta, desconectada, pensando se ele vai ou não surgir outra vez.
Ontem no ônibus de volta para casa havia uma frase rabiscada na parte de trás do acento, bem de frente para mim, provavelmente escrita por alguém usando as mesmas roupas mal escolhidas que eu. Dizia:
“O paraíso é ser-se perfeito.”.
Além de usar as mesmas roupas, o cretino provavelmente sabia também que eu me sentaria ali e escreveu aquilo para mim.
Mas eu sabia o que era preciso para ser feliz, só nunca soube bem como fazê-lo.
Ora! Como posso me sentir assim, como posso sentir-me perfeita, se eu souber que ninguém mais sente, que não há ninguém mais que pense assim?
Como alguém pode ser-se perfeita, sem antes, sentir-se importante para alguém?
Agora já fazem umas duas horas desde que ele saiu.
Se levantou, espanou os farelos das vestis e veio até mim. É que sabe como é, eu me sento sempre próxima ao balcão, ao lado da caixa registradora.
Ele estava parado ao meu lado, eu podia sentir seu calor. Pensei que meu coração fosse saltar pela boca.
– “O paraíso é ser-se perfeito” – Eu repeti como um mantra.
Eu era, eu tinha de ser!
Eu precisava tomar coragem e fazer alguma coisa, só precisava acreditar que era capaz e merecedora de algo assim.
Quando ela abriu a carteira busca do cartão, pude ver sua comanda cair no chão. Era algum tipo de sinal de deus, ele queria que eu fizesse aquilo.
Prendi a respiração, me abaixei e apanhei a comanda. Com a cara mais débil e a dificuldade que se encontra para falar quando se esquece de voltar a respirar, me virei na direção dele e lhe alcancei.
– Você deixou cair a sua comanda!
Ele agradeceu, pagou a conta e nunca mais me enxergou.




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