Mulheres feitas também não falam com estranhos

Eu não tinha reparado ainda, mas no espelho do meu banheiro apareceu uma cara que eu nunca vi.
Na casa da minha infância não havia nada para se refletir. Meu pai não esteve ali e antes dele o meu avô também não esteve ali. 

Parecia-me logico que meu rosto parecesse com o rosto das mulheres que viviam lá. Mas eu abandonei aquela casa e agora uma estranha me invadiu.
Para onde eu fui? O que aconteceu com a menina?
Tenho uma mulher feita, parada no meio de mim e não faço ideia do que fazer com ela.

Sem saber o que fazer eu a olhei nos olhos e ela chorou. Parecia ter medo de tudo o que sem saber bem como, tinha levado até ali. Medo da casa cada vez mais confortável, medo da pia na cozinha cada vez mais limpa. Medo do intervalo silencioso cada vez mais longo antes de uma resposta dos amigos.

– É normal que eu me sinta tão burra e ao mesmo tempo tão cretina? – Ela falou. – Outras pessoas se sentem também assim?

Quando aquele estrangeiro invadiu minha vida eu tive medo que a vida se esquecesse de mim.
Que a história com Alzheimer me apagasse do tempo. Tenho usado muito as palavras e não sei o que as palavras dizem sobre mim.

Acho que estamos desaparecendo. Tenho medo que as pessoas a minha volta se acostumem com esse mulher e acabem se esquecendo de mim. Que a pessoa com quem durmo um dia acorde e esqueça de mim, que minha melhor amiga se esqueça de mim, que um dia eu ignore meus medos e acabe eu também me esquecendo de mim.

O tempo silencioso caminha ao meu lado enquanto eu tento saber o que fazer com esse mulher. Só espero que a garota com quem um dia riram tanto não desapareça entre as linhas do seu rosto.